
Gaspar da Gama
Em setembro de 1498, Vasco da Gama já se encontrava a muitos meses nas Índias, logo após ter descoberto o caminho marítimo para tal localidade. Uma vez ancorado em uma ilha ao sul, chamada Angediva, o navegador e seus homens se depararam com uma situação incomum: a bordo de uma fusta, um homem alto, velho, trajado de branco e com uma grande barba aproximou-se e bradou bençãos para a embarcação dos portugueses em castelhano - fato esse que atraiu a atenção dos navegadores.
Ao ser convidado para embarcar, o homem explicou para a frota portuguesa que era natural de Granada, na Espanha, e que apenas aguardava o dia em que as naus dos cristãos viriam para lhe levar de volta à sua terra natal. A história não convenceu Vasco da Gama, que ordenou, inicialmente, a prisão do velho vestido com roupas esbranquiçadas de linho.
Após cerca de doze horas de cárcere, acompanhadas de um intenso interrogatório, Vasco passou a confiar mais no barbudo, informado de que o prisioneiro na realidade conhecia, e muito, sobre o comércio nas Índias e no Oriente, poliglota com - se supõe - mais de dez línguas no repertório. O capitão da embarcação decidiu então levá-lo consigo de volta para Portugal, inicialmente como prisioneiro, mas, eis que, no meio do trajeto marítimo de retorno, o alto senhor declara que gostaria de se converter ao cristianismo, e assim é feito: ele torna-se cristão-novo - designação portuguesa dada aos judeus (descobriria-se mais tarde sua origem judia) que se convertiam ao cristianismo - e é batizado finalmente de, como é conhecido, Gaspar da Gama.
Após fragmentos de sua história serem resgatados, Gaspar revela-se na verdade um judeu polonês, original de Poznan, cujos progenitores haviam fugido da opressão na Polônia e se estabelecido em Granada; sua trajetória não para por aí, já que, pouco tempo após, a Rainha Isabel, católica, expulsa os judeus da Espanha e obriga os pais de Gaspar a refugiarem-se em Alexandria; e de lá, para Jerusalém; de Jerusalém, ele segue para Bijaipur, na Índia, onde seria finalmente encontrado pelos portugueses.
Quando Gaspar da Gama chega em Portugal, sua sabedoria é tão bem recebida que o judeu conquista até mesmo a amizade e admiração de Don Manuel, o rei português da época, e passa a frequentar a corte. Inclusive, o regente narra, em um de seus textos mais famosos, como seus navegadores, apesar de resgatarem inúmeras especiarias, haviam trazido um judeu de enorme descrição e engenho, que conhecia esmiuçadamente tudo quanto havia nas Índias. Inclusive, foi a ótima reputação de Gaspar que lhe rendeu um lugar na Nau Capitânia de Pedro Álvares Cabral, expedição essa organizada pelo rei e que teria como destino as Índias, embora tenha culminado no descobrimento do Brasil, no qual o judeu estava presente.
Pode-se dizer, afinal, que Gaspar da Gama foi o pioneiro da estirpe judia no Brasil, apesar de pouco retratado nos livros de história - ele estivera no primeiro escaler (embarcação portuguesa menor) a desembarcar em solo brasileiro e provavelmente fora o primeiro intérprete a tentar contato com os nativos: os índios Tupis, possuindo grande importância e valor histórico-cultural nessa conquista. Após ele, uma grande massa judia viria a ocupar o território brasileiro; foram os judeus que dominaram, durante um extenso período de tempo, os negócios açucareiros na fase colonial.
Gaspar da Gama veio a falecer em 1510, na ilha de Calecute, por motivos desconhecidos.